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domingo, 30 de janeiro de 2011

CORREIO MFC BRASIL Nº 254


Formar pessoas é um processo permanente que se realiza na convivência e na comunicação interpessoal entre os mais próximos, e se complementa nas relações sociais ampliadas, especialmente através da escola, da leitura, dos meios de comunicação social e da participação em estruturas sociais e eclesiais intermediárias.
A convivência e a comunicação entre as pessoas mais próximas, entre as quais existam laços de afeto e confiança, são os fatores decisivos para o desenvolvimento da personalidade. O exemplo de vida, os princípios éticos que orientam comportamentos dos que convivem mais de perto, no cotidiano, são marcantes na formação das pessoas, no interior ou fora do ambiente familiar. Mas a família é, ou deveria ser, o lugar privilegiado para essa convivência humanizadora.

Família formadora de pessoas (I)
Helio Amorim*

A função de formar pessoas, na família, não é uma atribuição exclusiva dos pais em relação aos filhos. Tem mão dupla ou múltipla. É um processo permanente que envolve todos os membros da família. Não só os filhos, mas os pais e outros membros da família vão amadurecendo sua própria personalidade, nos seus múltiplos aspectos social, afetivo, emocional, sentimental, intelectual. Esse movimento ocorre no confronto cotidiano, ora convergente, ora conflitivo, com seus filhos e filhas que deles absorvem e reelaboram experiências e conhecimentos, devolvendo-os freqüentemente modificados. Retornam freqüentemente como questionamentos vivos às convicções dos pais.
Na formação da pessoa, trata-se de apoiar o desenvolvimento dos impulsos que Deus colocou em cada ser humano, orientando-os para uma verdadeira humanização, contribuindo para que não sejam sufocados, exacerbados ou desviados dessa direção humanizadora.

O primeiro, o impulso de viver, de buscar uma apreciável qualidade de vida, é frequentemente sufocado pela situação de pobreza e de miséria, problemas sociais gravíssimos cuja solução escapa das possibilidades da família, isoladamente.

Mas vemos, também, a exacerbação desse impulso nas famílias das classes médias que, bombardeadas pela propaganda, incapazes de estabelecer limites, induzem seus membros a uma busca desenfreada de posse de bens materiais, consumo e prazer, e até a péssimos hábitos de alimentação e lazer, como respostas equivocadas ao anseio por crescente qualidade de vida. As consequências costumam ser a insatisfação crônica, a angústia própria da busca de maiores rendimentos para sustentar o padrão desregrado de consumo. Também são consequentes o aumento da carga de trabalho, a perda de capacidade de ajuda aos que vivem em condições de pobreza e miséria, o desenvolvimento de uma mentalidade hedonista e consumista desumanizadora. Até surgirão muitas vezes problemas de saúde e de desenvolvimento físico e mental.
Não se pretende que a família bloqueie, e sim, ao contrário, valorize em seus membros a busca saudável de qualidade de vida, de alegria e prazer. Mas que exercite uma saudável austeridade nessa busca, desmistificando as mensagens que a identificam com a posse e consumo desmedido de bens materiais e formas frustrantes de prazer efêmero e desgastante, dentre as quais a sempre presente ameaça do alcoolismo e das drogas. Para as famílias das classes menos favorecidas, nem se pode falar em qualidade de vida, quando o desafio é a sobrevivência biológica, na luta contra a fome e a doença, por teto para morar ou terra para cultivar.

Na formação da pessoa, o impulso de socialização encontra na família um cenário privilegiado. A estreita convivência, quando a família dispõe de uma moradia digna, com espaços e privacidade adequados, cria condições favoráveis para um relacionamento interpessoal mais profundo e humanizador.

Grande número de famílias não desfruta desse privilégio. Entretanto, mesmo naquelas famílias em que essas condições físicas de moradia estão razoavelmente atendidas, as relações intrafamiliares também podem ser desgastantes e minar toda possibilidade de um encontro verdadeiro entre pessoas.
O principal obstáculo para esse encontro interpessoal humanizador é estarem todos, frequentemente, presos a papéis e funções que sufocam a capacidade de serem simplesmente pessoas. Fixar-se no papel de pai, mãe, marido, esposa, filho, com suas respectivas funções a serem exercidas vinte e quatro horas por dia, é fatal para uma verdadeira socialização que só se realiza no encontro de pessoas, sem suas máscaras funcionais. Há momentos para umas e outras. Mas estas devem predominar sobre aquelas, na família. Há exemplos de papéis mal formulados especialmente desastrosos. O homem autoritário que, em nosso contexto ainda machista, se assume como chefe da família, ou cabeça do casal, não tem condições de estabelecer com a esposa e filhos uma verdadeira relação interpessoal. A mulher submissa e serviçal que se assume como responsável pela solução de todos os problemas familiares e dedica heroicamente todo o seu tempo a essa função, acaba por se anular como pessoa e não será capaz de manter um verdadeiro encontro interpessoal com as próprias pessoas a que pretende servir. O filho educado para ser dependente das ordens e instruções de seus pais, sem outras responsabilidades familiares senão a obediência às regras próprias do seu papel, não aprenderá a relacionar-se como pessoa, nem mesmo com seus pais e irmãos.
O relacionamento interpessoal verdadeiro supõe a capacidade de os personagens saberem se desvencilhar de suas máscaras funcionais e se encontrarem simplesmente como pessoas, revelando seus sonhos e medos, suas convicções e dúvidas, as expressões simbólicas de seus sentimentos e afetos, seus projetos de vida e preocupações, sua força e suas debilidades, sua sabedoria e ignorância, o perdão e os conselhos pedidos e oferecidos. Também a acolhida respeitosa à idéia diferente e à proposta inesperada, o risco aceito com aflição, em suma, tudo o que nos revela como pessoas e não personagens de uma coreografia mal encenada.
O desenvolvimento de uma afetividade madura passa por essa forma de relacionamento interpessoal profundo, seja entre os esposos, seja entre pais e filhos e demais membros da família. Nas famílias regidas por um casal, o seu relacionamento afetivo, vivenciado de forma transparente, com suas representações simbólicas habituais, é uma resposta visível ao impulso para o encontro homem-mulher, já então vivenciado. Mas é, ao mesmo tempo, estímulo para o desenvolvimento harmonioso e humanizador desse mesmo impulso nos seus filhos e filhas, como elemento essencial na sua formação como pessoas.
Nas classes sociais despossuídas, a falta de moradia digna desse nome, a desestruturação dolorosa e a instabilidade familiar muitas vezes imposta pela miséria, desemprego habitual, mobilidade geográfica em busca de trabalho e tantas outras dificuldades, essa função de socialização fica duramente prejudicada.
(Conclui no próximo Correio).
*Extraído de “Descomplicando a fé”. Editora Paulus.

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