A matança de jovens em Mesquita, com
todos os requintes de crueldade própria de monstros inflados por ódios
desumanos desperta na população, mais que medo, um profundo desalento e
desesperança na busca da construção de uma civilização verdadeiramente humana
que se tenta concretizar.
VIOLÊNCIA É
UMA DROGA
HELIO AMORIM
– MFC/RJ
E
|
ssa
barbárie repetida está sempre vinculada ao tráfico de drogas. São ações
“corretivas” que só traficantes drogados são capazes de executar para impor o
pavor nos “pés de chinelo”, punindo os que “traíram” a confiança dos chefes.
Advertência desumana para os que ainda não “pisaram na bola”. Esse é o idioma
dos becos do tráfico para garantir a fidelidade dos adolescentes e jovens
cooptados para o comércio de drogas. Já há presos e fugitivos identificados.
Esse
crime hediondo não pode deixar de ser punido exemplarmente, para inibir novas
chacinas. A guerra ao tráfico é difícil, revelam-se a cada dia cumplicidades
inesperadas. Deve ser levada a consequências visíveis nas cúpulas escondidas em
apartamentos de luxo, esconderijos às vezes conhecidos mas imunes à repressão
policial por parcerias criminosas de alto nível. Denúncias dos capi desse
comércio devem ser premiadas generosamente, prêmios gordos anunciados para
estimular essa “traição dos cúmplices” do crime organizado.
Não
se combate eficazmente o tráfico prendendo apenas os que atuam nos pontos de
venda e seus chefes imediatos vivendo com alguns luxos modestos nas próprias
favelas em que comandam esse comércio. As ações devem ser focadas com mais
intensidade e inteligência, nos bairros nobres das cidades. Os grandes gestores
e financiadores do tráfico são ricos, não moram nos lugares de vendas e
armazenamento de drogas nem deles chegam perto. Não se expõem a perigos
desnecessários. Comandam de longe, invisíveis, com cuidados e bons advogados,
deixando os riscos com suas quadrilhas de fornecedores e traficantes
transfronteiras, transportadores e distribuidores internos.
Do
outro lado, estão os consumidores, dependentes desse veneno do corpo e do
espírito. Se a repressão pudesse ter êxito completo, como ficariam os que se
drogam compulsivamente? Onde encontrar a droga agora necessária para não
viverem transtornos psíquicos que podem desencadear grande sofrimento, angústia
e atos desesperados? Esse é o desafio, além do esforço competente do apoio
terapêutico mais amplamente disponível e acessível para uma superação efetiva
da dependência. O mundo procura a possível solução desse dilema planetário. Em
primeiro lugar, é preciso partir da consciência de que havendo procura haverá
oferta. É a regra imutável do mercado.
Crescendo
a repressão, o preço da droga aumentará e a ansiedade exigirá novos artifícios
para conseguir dinheiro para a compra. O adolescente já não sabe explicar como
some a mesada ou para onde foi o dinheiro que desapareceu misteriosamente de
casa. Pais desconfiam mas não têm certeza. A descoberta é sempre tardia.
Essa
necessidade incontrolável pode levar ao crime, mesmo nas classes privilegiadas.
Roubar e mesmo matar para comprar e consumir. A alternativa para o viciado
seria o crack, muito barato mas mortal no curto prazo. Os viciados das classes
médias melhor informados já conhecem esse risco de morte e não se arriscam.
Uma
das muitas saídas, todas igualmente difíceis de administrar, seria o
cadastramento dos viciados que aceitassem acompanhamento médico em serviços de
saúde credenciados e recebessem um cartão de dependente, para conseguir a sua
droga grátis ou a preço simbólico em drogarias cuidadosamente selecionadas para
esse serviço. Aquisição por entidade sanitária pública em país produtor
conhecido, mediante acordo entre organismos de governos, a preços do agricultor
local, considerando tratar-se de política de governo contra a praga. Objetivo
inicial, interromper a relação direta com o traficante e competir para reduzir
o seu mercado. O interesse do drogado seria livrar-se do preço crescente do
traficante motivado pela repressão policial, aceitando orientação e controle da
dosagem farmacêutica e algum tipo de acompanhamento de especialistas - ou,
ainda, participação em grupos de apoio mútuo que apresentam resultados
animadores (“grupos de drogados anônimos”).
Outras
medidas de controle sanitário e policial mais efetivas e eficazes somadas,
focadas na oferta de saídas aos dependentes e na identificação e prisão dos
financiadores ocultos, com premiação da denúncia, poderiam levar a bons
resultados a médio prazo. A preparação das escolas e seus professores para uma
orientação competente e constante dos alunos, com recursos didáticos adequados,
debate de filmes, verbas generosas para viabilizar tudo que contribua para a
consciência dos riscos desde a infância e a adolescência, tudo somado e
articulado, resultará em conquistas apreciáveis. Mas não dá para esperar.
Epístola de S. Tiago, irmão de Jesus
(Tg 5, 1-6).
1.
E agora, ricos, chorai e gemei, por causa das desgraças que estão para cair
sobre vós.
2.
Vossa riqueza está apodrecendo e vossas roupas estão carcomidas pelas traças.
3.
Vosso ouro e vossa prata estão enferrujados, e a ferrugem deles vai servir de
testemunho contra vós e devorar vossas carnes, como fogo! Amontoastes tesouros
nos últimos dias.
4.
Vede: o salário dos trabalhadores que ceifaram vossos campos, que deixastes de
pagar, está gritando, e o clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do
Senhor.
5.
Vós vivestes luxuosamente na terra, entregues à boa vida, cevando vossos
corações para o dia da matança.
6.
Condenastes o justo e o assassinastes, ele não resistiu a vós.
A
denúncia de Tiago atravessa dois milênios e nos chega como uma espada,
advertindo-nos para a injustiça que permanece no mundo. O desafio aos cristãos
é o dever da denúncia corajosa de toda forma de exploração, dominação e
marginalização dos pobres numa sociedade de competição cruel e desigual. E o
engajamento efetivo na luta pela construção de um país e um mundo melhores,
prenúncio do Reino.
Pensamentos
de Rubem Alves, poeta e educador
Há
escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.
Escolas
que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo.
Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, seu dono pode
levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de
ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.
Escolas
que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em
voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas
não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser
ensinado. Só pode ser encorajado.
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