Por Emílio
Portugal Coutinho.
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oje, Sexta-feira Santa recorda-se a Paixão e
morte do Salvador. Todas as funções deste dia estão repassadas de luto pesado,
pois é dia consagrado ao memorial da morte de Nosso Senhor.
Os paramentos negros. A omissão do Dominus
vobiscum. A falta de instrumentos de música. Nenhum toque de sinos. O altar,
frio e despido. Desocupado e aberto, o tabernáculo. Na frente dele, uma cruz
com véu negro. Nos candelabros, há velas de cera amarela como nos dias de
funerais. Em tudo reina a tristeza, a desolação profunda.
É, para a Igreja, um dia especialíssimo,
portanto, de grande silêncio, oração, penitência, sobretudo jejum e abstinência
de carne. Nesse dia não há ofertório e nem consagração, mas faz-se a comunhão
eucarística.
A celebração da Paixão do Senhor é
constituída de três partes: A liturgia da palavra, a adoração da cruz e a
comunhão eucarística.
LITURGIA DA PALAVRA
Às três horas da tarde inicia-se a celebração
da Paixão do Senhor. O celebrante e os ministros sagrados são paramentados de
preto em sinal de grande luto. Chegando ao pé do altar, prostram-se, e rezam em
silêncio por alguns instantes. Esta atitude humilde é a expressão da mágoa
imensa que lhes acabrunha a alma com a evocação do grande mistério do Calvário.
Durante este tempo, estende-se no altar uma só toalha, recordando o Sudário que
serviu para envolver o Corpo de Nosso Senhor. Então, o sacerdote sobe os
degraus do altar e oscula-o. Estando todos sentados, são feitas as duas primeiras
leituras com o respectivo salmo. Logo a seguir, é cantada a Paixão segundo São
João, da mesma forma que foi feito no domingo de Ramos. Quando chega na parte
em que diz que Nosso Senhor entregou o seu espírito, todos ajoelham, e ficam
assim por alguns instantes.
Canta-se a Paixão de Jesus Cristo segundo o
evangelho de São João, porque ele é o quarto evangelista e porque, ficando
debaixo da cruz, foi testemunha ocular da crucificação. Por isso convém que
seja ouvido neste dia.
Durante muitos séculos, os fiéis procuravam,
nesse dia, não fazer barulho e, especialmente, evitavam bater em algo, evitando
a sensação daquele ruído terrível do martelo cravando Jesus na Cruz. Nada de
canto, de música, de sinais de alegria, de recreação. Trabalhava-se o mínimo
possível, só naquilo que era de extrema necessidade. O tempo era para oração,
leitura, meditação, avaliação da vida, partilha do sofrimento de Jesus.
ORAÇÃO UNIVERSAL
Acabado o canto da paixão, começa o
celebrante as Orações conhecidas por Admoestações porque o prelúdio consta,
para cada uma, de advertência, a modo de prefácio em que o sacerdote diz o
objeto da prece a seguir. São nove estas orações, e alguns julgam ser de origem
apostólica. O celebrante reza:
1º - Pela Santa Igreja;
2º - Pelo papa;
3º - Por todas as ordens e categorias de
fiéis;
4º - Pelos catecúmenos;
5º - Pela unidade dos cristãos;
6º - Pelos judeus;
7º - Pelos que não creem em Cristo;
8º - Pelos que não creem em Deus;
9º - Pelos poderes públicos;
10º - Por todos os que sofrem provações.
A Igreja reza nessas rogações, pelos que
nunca pertenceram ou já não pertencem ao seu grêmio. O motivo é para não
esquecermos que o Salvador morreu por todos os homens, e para implorar em
benefício de todos, os frutos da sua Paixão.
Entre cada uma das orações que são feitas, o
diácono diz: Flectamus genua. Então todos se ajoelham por alguns instantes, e
rezam em silêncio, até que o mesmo diácono diz: Levate, então todos se
levantam.
ADORAÇÃO DA SANTA CRUZ
Na sexta-feira santa adora-se solenemente a
Cruz, porque, tendo sido Jesus Cristo pregado na Cruz, e tendo morrido nela
naquele dia, a santificou com o seu Sangue.
A cerimônia da adoração da cruz tem a sua
origem na veneração da verdadeira cruz conservada em Jerusalém, por volta do
século IV. A cruz se colocava numa mesa coberta com um pano branco. Os fiéis
veneram-na, tocam-na com a fronte e os olhos; não o podiam fazer com a mão nem
com a boca. Pois um devoto arrancou com os dentes uma relíquia da santa cruz.
Agora a imagem do Crucificado é colocada sobre um pano roxo estendido nos
degraus do altar ou do coro.
Eis o rito: O celebrante tira a casula e,
ficando ao pé do altar, descobre o alto da cruz e canta: "Ecce lignum
Crucis" (Eis o lenho da Cruz (, do qual pendeu a salvação do mundo)). Os
ministros que lhe assistem, continuam com ele: "Venite, adoremus"
(Vinde adoremo-lo). Ao mesmo tempo, prostram-se todos. O celebrante, não. Este,
depois, vai para o lado direito do altar; descobre o braço direito da cruz,
mostrando-o, e repete em tom mais elevado: "Ecce lignum Crucis", etc.
Enfim, alcançou o meio do altar. Descobre completamente a cruz, e, ergue-a e
canta, terceira vez, em tom ainda mais alto: "Ecce lignum Crucis",
etc. Então, o oficiante deposita a cruz nos degraus do altar, para que seja
adorada por todos os clérigos e fiéis presentes. O canto: Ecce lignum Crucis é
usado desde o século IX-X.
É desnudada a cruz lembrando que os judeus
desnudaram o Filho de Deus. Esta impressionante cerimônia se faz em três atos
para significar três atos principais de irrisão cruel da vítima da sanha
judaica:
1º Quando, no átrio do sumo sacerdote,
cobriram a santa face de Nosso Senhor, e lhe deram bofetadas. Por isso a
primeira vez não se descobre a santa face do crucifixo (Lc 23, 64).
2º Quando o Rei da glória, coroado de
espinhos, foi escarnecido pelos soldados com genuflexão e as palavras:
"Ave, rei dos Judeus". Por isso na segunda vez se mostra a santa
cabeça e a santa face do Rei do universo (Mt 27, 27-30).
3º Quando o Filho do Todo-poderoso, despojado
dos seus vestidos, estava crucificado e foi insultado com a blasfêmia:
"Ah! Tu podes destruir o templo e outra vez o edificar; salva-te!"
Por isso, na terceira vez o crucifixo se mostra todo descoberto (Mt 27, 40).
Durante a adoração da Cruz, cantam-se as
antífonas chamadas "Impropérios" (do latim improperium, que quer
dizer "censura"), porque encerram repreensões dirigidas aos judeus
pela voz dos profetas. Cada antífona destas enumera um determinado benefício de
Deus, a favor do povo judaico, e põe em face a correspondente ingratidão do
mesmo povo.
MISSA DOS PRESSANTIFICADOS
Antigamente chamava-se essa terceira parte da
celebração da Paixão do Senhor, "Missa dos Pressantificados":
1 - Missa. Na verdade, não é muito próprio o
termo, pois não há consagração e, portanto, sacrifício. Deram-lhe, no entanto,
este nome, porque repete certo número dos ritos da missa.
2 - dos Pressantificados. Por causa da
Santíssima Hóstia, consagrada na Missa da Quinta-Feira Santa. O vocábulo
Pressantificados significa, pois, dons santificados, consagrados previamente.
Estando a acabar a Adoração da Cruz,
acendem-se as velas do altar e vai-se, em silêncio, em procissão, à capela
aonde se encontram as hóstias consagradas. Voltam, trazendo a Santa Reserva,
com o canto, não já do Pange língua que e hino de júbilo, mas do Vexilla Regis,
que é o hino da Cruz.
Quando a procissão regressou, o Celebrante
coloca sobre o altar o Santíssimo Sacramento. Depois, diz Orate frates, etc;
mas ninguém responde,e logo vem o Pater com o respectivo prefácio. Então, ergue
na patena a Sagrada Hóstia, para os assistentes adorarem. Faz a fração como na
missa ordinária, diz a terceira oração antes da comunhão e o "Domine non
sum dignus". Finalmente, comunga, toma as abluções e retira-se em
silêncio. Recitam-se agora as Vésperas, sem canto, sem luzes, querendo mostrar,
com isso, que se apagou, morrendo na cruz, a luz do mundo, Nosso Senhor Jesus
Cristo.
O celebrante diz: In spiritu humilitatis...
et sic fiat sacrificium. Nesta oração a palavra "sacrificium"
significa hoje o sacrifício espiritual da penitência (Sl 50). Por isso, o
celebrante pode dizer: "Orate frates... ut meum sacrificium (de
penitentia)..." Mas o povo não pode responder: "Suscipiat... de
manibus tuis", porquanto estas palavras significam o sacrifício sacramental,
o qual não se oferece.
O celebrante não diz: Pax Domini, nem a
primeira oração antes da comunhão, porque não se dá a paz no dia em que Nosso
Senhor foi repelido pelos judeus inimigos com o grito: "Não temos
rei".
O celebrante não reza: "Haec
commixtio", nem a segunda antes da comunhão, nem Quid retribuam, Corpus
tuum, Placeat, porque nestas orações se menciona ou o Santíssimo Sangue, que
não está no altar, ou o sacrifício eucarístico, que não se oferece.
O celebrante não diz: Dominus vobiscum,
porque o único sacerdote, Jesus Cristo, foi morto e não pode mais falar, e não
está mais conosco.
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