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terça-feira, 10 de julho de 2012

ONDE MORAS?


Gustavo Covarrubias Rodríguez

“A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”, dizia o poeta Vinícius de Moraes. Lendo e meditando o Evangelho, poderíamos dizer, parafraseando esse grande compositor, que a “vocação cristã é a arte do encontro com a/nossa humanidade, embora haja tantos ‘desencontros’ na Igreja”...

A
 passagem de referência, na qual fundamos – evitando, na medida do possível, o ‘fundamentalismo’ – a afirmação anterior, são os versículos 35-42, do capítulo I do Evangelho da Comunidade de João. Ela situa-se entre o testemunho de João Batista e as bodas de Canaã, em meio a uma série de buscas e encontros, pautados pelas palavras dos envolvidos nessa dinâmica:

“Eis o Cordeiro de Deus”. Cordeiro é também servo. João, que encontrara o Nazareno fazendo fila no Jordão, aponta para Jesus, reconhecendo nele o servo sofredor e provocando a reação de dois discípulos seus. Estes, aceitando o testemunho-provocação do precursor, por própria iniciativa, vão trás Jesus.

“O que vocês estão procurando?”. Acontece outro encontro: os discípulos vão em frente e Jesus olha pra trás. Convergência: eles vão, Ele vem. O motor que dinamiza e possibilita a experiência é a busca, a inquietação, o honesto e sincero desejo de encontrar, a permanente abertura... As primeiras palavras de Jesus, no Evangelho de João, são uma pergunta radical, sem cuja resposta a vida carece de sentido!

“Mestre, onde moras?” Surpreendentemente, os discípulos parecem não estar interessados em doutrinas ou teologias. Não perguntam quem é Jesus, mas onde ele mora, donde ele aprendeu a ser mestre. Interessa-lhes a vida, com suas riquezas e condicionamentos.

“Venham, e vocês verão”. Jesus não indica um lugar fixo, estático, fechado. Nem cátedras nem catedrais. Exige uma atitude dinâmica, de permanente atenção e de promessa cumprida no fim de um processo. Ele é o Mestre peregrino, que não tem onde reclinar a cabeça. É a Palavra que “se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1,14). Sua morada é a humanidade! Só se descobre o “lugar” onde Deus mora humanizando-se!

Só se pode ser discípulo de Jesus sendo cada vez mais “gente”... André (homem = humanidade) e o outro discípulo “permaneceram com ele”, a partir daquele encontro, quando o sol começava a declinar, nas proximidades da noite... Faz-se experiência do encontro na incerteza do futuro, na assunção do risco, quando as dificuldades batem à porta, quando o caminho se estreita e o horizonte parece sumir da vista. Permanência é fidelidade.

“Nós encontramos o Messias”. Mais um encontro. A verificação da experiência pessoal passa pelo crisol da comunidade. Se o encontro é autêntico, outros encontros acontecerão. O exemplo arrasta!

- “Você é Simão, o filho de João. Você vai se chamar Cefas”. Encontrando Jesus, encontrando os outros, encontramo-nos a nós mesmos! Reconhecemos a nossa identidade e assumimos a nossa missão: inserir-nos na corrente do seguimento e do testemunho daquele que veio de encontro à nossa humanidade, assumindo-a, para que todos encontrem nele vida!

“Siga-me”. Ai, sim! Depois de vários encontros, vem a confirmação de um chamado – mandamento que exige total disponibilidade a fazer caminho... caminhando.

“Encontramos aquele de quem Moisés escreveu...”. De encontro em encontro, a fé nasce, se fortalece e se expressa com autenticidade. Só tem o legítimo direito de proclamar que o homem histórico chamado Jesus de Nazaré, o filho do carpinteiro José, é o Servo de Javé, o Mestre e o Senhor, quem percorreu com Ele o caminho da humanização e quem está disposto a abraçar, como o sentido da própria caminhada, a tarefa de fazer deste mundo de desencontros um mundo mais humano!

Muitas vezes o texto em questão foi e continua sendo alimentando certos fundamentalismos “vocacionais”. Vocação não é busca de privilégios nem alienação. Vocação, em João, não é fruto de uma simples experiência particular nem da revelação individual de Deus, mas processo comunitário. Ela nasce do testemunho daqueles que, buscando sinceramente, encontraram... E as nossas comunidades cristãs, propiciam realmente o encontro com a humanidade, o seguimento de Jesus e o testemunho-missão? Ou tornam-se, cada vez mais, guetos onde a comodidade, o intimismo e a fuga – camuflagem do desencontro – se refugiam?

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