“ECONOMIA DA SALVAÇÃO” EM CRISE
Guilherme C. Delgado
Guilherme C. Delgado |
Pautado
a falar sobre temas de economia, política econômica, economia política para a
Rede neste mês, encontrei uma maneira de falar da crise eclesial desencadeada
pela renúncia do Papa Bento XVI, que não se insere em qualquer domínio
convencional da economia, mas no conceito de “economia da salvação” ou
“economia da Revelação”.
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sclareço
preventivamente que a economia da salvação, no sentido teológico das ações
palavras e obras comunicadas por Deus à humanidade, não está em crise, mas sim
as estruturas humanas encarregadas da transmissão da palavra divina.
A
renúncia do Papa, seguida das reflexões por ocasião da homilia que pronunciou
na quarta-feira de cinzas, põe a nu um problema que o próprio Papa renunciante
havia interditado à discussão pública, quando ainda Cardeal da Congregação para
Doutrina da Fé, puniu Leonardo Boff, que havia levantado corajosamente o
problema do exercício do poder legítimo na Igreja em eu livro “Igreja, Carisma
e Poder”. Ironicamente agora a sucessão do Papa se dá num ambiente de crise
aguda do exercício de um poder absoluto, formalmente de um Estado-Igreja,
monarquia absoluta de direito divino.
O
Concílio Vaticano II criou ou ratificou algumas instâncias de ‘democratização’
do poder eclesial – o Sínodo dos Bispos, as Conferências Episcopais nacionais e
regionais e toda uma cultura de colegialidade e descentralização. Mas os dois
últimos papados, especialmente o de Bento XVI, realizaram na prática um
retrocesso à ordem antiga da ultra centralização romana. E tal movimento não se
justificou em nome das reformas da Igreja, mas ao contrário para não fazê-las.
E contraditoriamente o líder intelectual dessa restauração é a grande vítima
das engrenagens de poder que ajudou a criar.
Todas
essas questões são conhecidas de longa data pelos católicos medianamente
informados, especialmente por suas hierarquias. Mas são literalmente
interditadas ao debate público. É preciso que ocorra uma renúncia papal,
seguida de denúncia tácita das ‘divisões internas’ e da ‘hipocrisia religiosa’
para que voltemos ao tema do poder religioso, por ocasião da sucessão do Papa.
Por
distração ou desinformação, a mídia começou a tratar do tema da sucessão, de
maneira convencional, tentando adivinhar quem será o novo Papa, de que
Continente, de que tendência eclesial etc. Mas este é um debate limitado. Não
vai ao cerne da questão. O que está em causa é a ultra centralização do poder
religioso e o seu desvio da função carismática essencial, induzido pelas
tentações de todo poder absoluto.
Os
Estados modernos resolveram o problema do absolutismo, de diversas maneiras,
mas convergindo para o sistema democrático constitucional, a separação de
poderes, os princípios republicanos e a soberania popular substituindo o
soberano príncipe, de direito divino. A Igreja, na sua estrutura interna,
desdenha dos princípios da democracia e da república. Ainda que se defina no
Concílio Vaticano II a Igreja como povo de Deus, não há qualquer interesse em
afirmar a cidadania religiosa desse povo, especialmente da maioria esmagadora
dos leigos.
Não
se pode evidentemente transpor estruturas de poder do mundo civil para o
religioso, porque são distintas suas missões. Mas há um adágio popular muito
rico em sabedoria – “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe
absolutamente’, que é válido também para o poder religioso. E corromper aqui
significa deixar-se dominar pelas tentações do ‘Príncipe”, abandonando na
prática o testemunho de Jesus Cristo. Tentações estas nada abstratas, pelo que
se deduz da fala de Bento de XVI na quarta-feira de cinzas.
O
lado bom da situação atual é podermos tratar dessas questões publicamente, sem
medo de interdições. Pena que nossa imprensa religiosa não discuta mais
profundamente as questões internas da Igreja. Os problemas que Bento XVI
levantou não vão se resolver por atos de fala da autoridade religiosa. E nós
todos, partícipes deste Povo de Deus, temos direito e dever de participar dessa
economia da salvação em pleno Século XXI, na condição de cidadãos fiéis que
precisamos também ajudar a superar a crise de poder da Igreja, porque
dificilmente a cúpula do poder religioso o fará por iniciativa própria.
Guilherme C. Delgado é economista,
articulista do Boletim REDE e pesquisador do IPEA.
CIÊNCIA E FÉ
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odos
conhecemos as perseguições, condenações e mortes que marcaram o embate entre
religião e ciência, ao longo da história, sempre que surgiam divergências entre
descobertas científicas e interpretações religiosas de textos bíblicos,
especialmente as dos relatos sobre a Criação.
Galileu foi julgado por
afirmar que a Terra não era o centro do Universo, e os astros simples adornos
instalados na abóboda celeste. Para não ser condenado à morte ou prisão,
preferiu proclamar publicamente o seu "erro" e viver em paz mais
alguns anos.
A
Igreja que o condenaria severamente, em defesa da fé, reconheceu o equívoco de
suas ações repressivas contra os avanços científicos, na singela cerimônia em
que o Papa João Paulo II anunciou a "reabilitação" de Galileu,
revogando a sentença secularmente discutida.
Mais
tarde, todo o poder de fogo eclesiástico foi dirigido contra Darwin e suas
teorias evolucionistas. Suas obras foram incluídas no Index dos livros que os
cristãos estavam proibidos de ler, sob pena de excomunhão. Com os avanços
inexoráveis das ciências, as reações se esvaziaram, depois de terem produzido
alguns estragos perfeitamente evitáveis.
Foi,
portanto, com a ajuda das ciências que se tornou possível entender a Bíblia,
não como um livro histórico e científico. É, na verdade, uma obra catequética,
que nos apresenta Deus e o seu projeto de humanização, através de imagens
compreensíveis pelos homens e mulheres das épocas e culturas em que foram
escritos os relatos e discursos que a compõem.
Permanecem
vivas, entretanto inúmeras afirmações doutrinárias que não se rendem aos
avanços da ciência, levando muitos cristãos a se afastarem da fé, com perdas
para a credibilidade da Igreja: as questões que incomodam vão da resistência
inútil ao planejamento familiar com o uso de medicamentos, amplamente
praticado;, ao celibato forçado dos padres; ao novo casamento dos divorciados e
à proibição de acesso de mulheres ao corpo do clero católico. Futuramente essas
normas e disciplinas serão progressivamente revogadas e ouvidos novos pedidos
de perdão aos que foram prejudicados por esses equívocos.
SABEDORIA
Apressa-te a viver
bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida. Sêneca
Não penses mal dos
que procedem mal; pensa somente que estão equivocados. Sócrates
Para quê preocuparmo-nos
com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro... Confúcio