José Roque Silva Batista - MFC/BA |
CONTADOR, ESPECIALISTA EM AUDITORIA CONTÁBIL
MEMBRO DO MFC – EUNÁPOLIS - BA
Q |
uem na vida nunca plantou alguma coisa? No campo ou na cidade, seja um roçado, uma horta, um pequeno gramado ou um xaxim de planta e inexplicavelmente não se deparou com ervas daninhas entranhadas no meio da plantação? Elas aparecem do nada, até se passam por plantas inócuas, mas, no fundo são umas lástimas, ludibriam todos, e pior, na hora de extirpar-las do meio da plantação corre-se o risco de sacrificar algumas das plantas boas. Como narra o evangelista, Jesus na sua época já se mostrava preocupado com o expurgo do joio no meio do trigo (Mt. 13,30) uma bela faceta para referir-se aos aproveitadores de ocasião.
Há muito tempo ONG’s, associações e fundações, também chamadas de entidades filantrópicas e de interesse social e/ou instituições sem fins lucrativos, que articulam o terceiro setor, desempenham ações voluntárias e humanitárias a uma camada da sociedade, que de alguma forma ou por algum motivo encontra-se desassistida dos serviços públicos essenciais e consequentemente de exercer sua cidadania.
Essas práticas sempre enobreceram o nosso povo. O povo brasileiro há algum tempo se notabiliza como um povo solidário e de boas iniciativas voluntárias. Razão pelo qual ainda é possível dizer que “Deus é brasileiro” o próprio Jesus é quem nos diz “tudo o que fizerdes ao menor de meus irmãos é a mim que fazeis” (Mt. 10,42).
Um país que tem como filhos, Chico Mendes, Betinho, Irmã Dulce, Chico Xavier e Dra. Zilda Arns “todos em memória”, mais Irmã Terezinha de Eunápolis, Albano e Margarida de Santa C. Cabrália e tantos outros filhos anônimos que de alguma maneira fizeram, motivam e fazem à diferença quando o assunto é solidariedade e amor incondicional ao próximo, sem dúvida, enchem-nos de orgulho.
Seria possível passar horas a fio a relacionar nomes de pessoas que de forma voluntária e solidária desenvolvem atividades de promoção social e humanitária pelo simples desejo de ajudar o próximo, manter a sustentabilidade do planeta e minimizar a dor daqueles que foram abandonados do mínimo necessário para viver dignamente.
Toda esta força indutora representa um patrimônio valioso do nosso povo. Os números são desencontrados, porém, estima-se que existam mais de 300 mil entidades de interesse social, algumas pequenas, de ações limitadas e atuação local, outras gigantescas, bem organizadas, com ações uniformes e com atividades espalhadas pelo país inteiro.
Temos entidades exemplares, reconhecidas por órgãos públicos e privados de nível nacional e internacional. Podemos citar aqui: Pastoral da Criança, Pastoral do Idoso, MFC (Infan, Cofan, Projeto Saber Melhor, CCI, etc.), SOS Mata Atlântica, APAE, GACC, Fazenda Esperança, Criança Esperança, SOS Vida, Nutrivida e tantas outras grandes, pequenas e não tão conhecidas, mas, de atuações relevantes.
Todo este patrimônio corre sério risco de sofrer grandes perdas, e a maior delas, a “credibilidade” e “confiabilidade” daqueles que doam e mantém toda esta estrutura financeira e não-financeira. Na ausência destes dois pressupostos básicos torna-se impossível captar recursos e a proatividade dos nossos voluntários aos serviços que diuturnamente desenvolvem. A ética, a decência e transparência administrativa são os elementos vitais para que permeiem nas entidades do terceiro setor o crédito e a confiança.
Diante de denuncias envolvendo ONG´s, muitas das instituições sociais que formam este patrimônio poderão desaparecer, outras passarão por crises intermináveis, sem falar de tantas outras que em forma de ervas daninhas tentarão sobreviver, tudo dependerá da ação da justiça, dos órgãos de controle do governo e do discernimento da sociedade para entender, agir e separar o joio do trigo.
Vamos deixar este patrimônio do povo brasileiro ir para o ralo? Tudo por interferência de pessoas aproveitadoras, imorais, sanguessugas, que organizam verdadeiras máfias para desviar o erário, muitas vezes tendo como protagonistas políticos, servidores públicos e seus apadrinhados.
Estamos falando dos últimos escândalos de desvios de recursos públicos envolvendo políticos e apadrinhados, utilizando como mecanismo nefasto o uso de ONG’s e associações como dutos e canais para lavar e legalizar o dinheiro surrupiado dos cofres públicos seja na esfera federal, estadual e municipal.
Os malfeitores do erário são os mesmos, sobre o manto da impunidade e da tolerância judiciária, tornam-se mutantes e disseminam o contágio à outros indivíduos em todas as regiões do país, na verdade o que muda é a forma de organizar as ações, de modo a ludibriar a sociedade e confundir os órgãos de controle e de fiscalização.
Quem não lembra da CPI dos anãos do orçamento? Onde deputados federais de baixas estaturas, porém, hábeis e sorrateiros na prática do desvio de recursos públicos. Um deles, sujeito de tamanha “sorte”, capaz de ganhar na loteria federal todas as semanas, quando na verdade estava mesmo era lavando o dinheiro surrupiado dos nossos tributos, que de forma excessiva são criados por leis tributárias elaboradas e aprovadas por esses mesmos indivíduos.
A grande inovação arquitetônica de surrupiar dinheiro da saúde, educação, moradia, e do transporte público foi o mensalão do Congresso, alimentado pelo “valerioduto”. Um esquema de se pagar propina a deputados federais da base aliada para votar nos projetos do governo. Hoje essa praga recebe o nome de “mensalinho” e submergem na calada da noite em quase todas as câmaras de vereadores e assembléias estaduais do país.
Não param por aí, a criatividade dessas pessoas é algo inesgotável e inovadora, toda vez que o ministério público, a impressa e a sociedade organizada denunciam um esquema, logo é criado um outro ou utilizam-se simultaneamente mais de um, tais como: funcionário fantasma, cartão corporativo, sanguessugas das ambulâncias e sobras de campanha.
Agora atacam de voluntários e benfeitores de entidades de interesse social. Criam ou apoderam-se deliberadamente de ONG’s e associações, punham em nome de seus apadrinhados e em seguida fazem alocação de verdadeiras fortunas, para num segundo momento toda esta “dinheirama” voltar para os bolsos dos expertinhos em dinheiro “vivo” ou em forma de benesses como fretamento de jatinho, viagens e outros mais.
Pasmem! Dinheiro público que deveria revelar jovens talentos para o esporte, capacitar jovens e adultos para o mercado de trabalho, retirar jovens e adolescentes das áreas de riscos e promover o turismo interno e gerar emprego e renda.
As entidades sem fins lucrativos, conceitualmente são aquelas em que o resultado positivo “superávit” não é distribuído, as manobras desta gente está transformando as ONG´s em lucrativas e isentas de tributos. Onde nós chegamos!
É visto por todos que os governos nos últimos tempos vêm aproximando-se do terceiro setor, firmando parcerias, convênios e injetando recursos em projetos bem sucedidos e com gestões transparentes. Entendemos que estas iniciativas são plausíveis e devam continuar. As entidades sérias precisam deste apoio financeiro, embora os mecanismos de controle e de fiscalização da aplicação destes recursos devam ser revistos e aprimorados. Não estar na hora das grandes ONG,s elaborar e executar orçamento de forma compulsória?
Sem muito esforço é possível identificar as entidades sérias, de ficha limpa, e de históricos ilibados e bons serviços à sociedade. Mesmo as entidades consideradas sérias não vivem em um “mar de rosas” quando o assunto é probidade administrativa. Vez ou outra é visto dirigentes em deslizes éticos querendo levar alguma vantagem dos cargos.
Podemos dizer que são casos isolados e evitáveis, por exemplo, uma contabilidade formalizada e alguns controles internos ajudam a minimizar os casos de apropriação indébita por indivíduos inescrupulosos, de modo que, qualquer intento pode ser detectado pelos conselhos fiscais destas entidades, uma vez que sejam formados por pessoas honestas e sensatas, bem como desvinculados das diretorias executivas.
Um vício corriqueiro nestas instituições refere-se ao conselho fiscal, algumas por omissão do Código Civil nem se dão o luxo de prever sua criação nos atos constitutivos, e outras mesmo prevendo o conselho fiscal, ao fazer eleição de diretoria executiva, fazem junto com o conselho fiscal, como se fossem integrantes de uma mesma chapa, quando na verdade devem ser desvinculadas, ou seja, duas eleições distintas, que se diga: o conselho fiscal não existe para legitimar as gestões, e sim, para fiscalizá-las e para tanto devem ser autônomos e independentes. Pode deixar o rato tomar conta do queijo? Criar entidade de interesse social sem previsão estatutária de conselho fiscal?
Outra maneira de se coibir deslizes de dirigentes seria a obrigatoriedade de auditoria contábil para todas as entidades de interesse social que recebam recursos públicos sem limite de valor; e que os doadores e mantenedores privados procurassem conhecer melhor as práticas e ações das instituições que contribuem, e até mesmo, na maneira do possível participassem de alguma forma dos instrumentos de controle e de fiscalização.
Oportuno dizer, que nem sempre é possível encontrar pessoas com conhecimentos técnicos em economia e contabilidade dispostos a participarem de conselhos fiscais, sendo estes formados por pessoas simples, sem nenhuma formação técnica. Outro agravante é que as auditorias contábeis são serviços de alto custo, impossibilitando à sua contratação.
Como medida saneadora, sugere-se um amplo projeto de responsabilidade social por parte do CFC – Conselho Federal de Contabilidade em consonância com o CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social, onde seria elaborada uma Norma Técnica de Auditoria Independente das Demonstrações Contábeis, específica para as entidades sem fins lucrativos; e o CNAS tornasse-a compulsória para as entidades do terceiro setor, de certo, sem ônus para aquelas com um determinado valor de receita anual, as quais receberiam o serviço gratuitamente por profissionais registrados nos seus devidos CRC – Conselho Regional de Contabilidade em forma de sorteio.
A proposição de uma NBC T – Norma Brasileira de Contabilidade dever-se-á simplificar o procedimento de auditoria e criar a figura do “auditor ad hoc” para este fim, tornando-se desnecessário a contratação de empresas de auditoria e exigência de auditores registrados na CVM e/ou IBRACON. Tal medida implicaria de forma benéfica na adesão voluntária de todas as entidades de interesse social à formalização de suas contabilidades, pois, sem contabilidade não há auditoria e com auditoria não teríamos recursos públicos escorrendo pelo ralo.
Vejo viabilidade, uma vez que as entidades sem fins lucrativos não são constituídas por ações, não são de capital aberto e não integram o sistema de distribuição e intermediação do mercado de valores mobiliários. Assim, não estão sobre regência da Lei Societária 6.404/76, que obriga auditoria independente somente por auditores registrados da CVM – Comissão de Valores Mobiliários.
Na verdade, o que não se pode é generalizar, achar que todas as entidades de interesse social são “farinhas do mesmo saco”, tal atitude, poderá levar a desestabilização total do terceiro setor, causando pânico para as ONG´s e instituições sociais sérias que estão vivendo à penúria da escassez de recursos e do afastamento dos voluntários diante da desconfiança generalizada.
Uma coisa é certa, algo deve ser feito para separar o joio do trigo e extirpar do meio das instituições sérias e comprometidas e que realmente têm preocupação com as causas sociais e humanitárias, daquelas que se fizeram criar com o intuito exclusivo de lesar o erário e alimentar esquema de corrupção. Qualquer atitude suspeita denuncie ao ministério público, órgão responsável em velar as entidades de interesse social.
Mto bom. É interessante essa posição perante a sociedade q nos cerca.
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