SINAIS DO REINO
HELIO AMORIM – MFC/RJ
Este é um tempo de surpresas animadoras. Em poucas semanas aconteceram novos sinais de um país melhor. Todos os sinais de mais justiça, solidariedade e humanização são sinais do Reino.
O primeiro a destacar veio do STF: aprovada a reserva de vagas nas universidades do governo para matrícula de pretos e pardos, com dez votos a favor e um único contrário. O ministro Marco Aurélio de Melo considerou inconstitucional esse favorecimento com base na cor da pele. Na verdade é um reconhecimento tardio e ainda insuficiente de injustiça histórica a reparar. Por um mecanismo de reprodução social perverso, pobres e ricos têm descendências imersas nas suas respectivas classes socioeconômicas, com possibilidades limitadas de ascensão ou queda por razões óbvias: o filho das classes privilegiadas já nasce com cuidados de saúde e alimentação, logo terão oportunidades de educação de qualidade desde a primeira infância, não serão obrigados a lutar desde os seis anos pela sobrevivência econômica da família vendendo balas nos sinais de trânsito com prejuízo insanável da freqüência escolar.
Ocorre que predominam nas classes mais pobres, famílias herdeiras do crime hediondo da escravidão. Seus antepassados foram sequestrados de sua terra e cultura, transportados como animais, deixando mortos na travessia atlântica e vendidos os sobreviventes aos donos de terra como escravos, marcados como gado pelos seus proprietários. A libertação desse jugo infame foi adiada por dois séculos. Finalmente tornam-se cidadãos de classe muito pobre entregues à própria sorte numa sociedade com predomínio absoluto de brancos.
Prossegue a reprodução social, pobres gerando pobres numa ciranda social malvada a ser rompida por intervenções corajosas que vêm sendo praticadas ainda timidamente pelos governos. Aqui se insere agora a questão das cotas nas universidades. Mas falta muito para que essa reprodução social seja totalmente superada. Pretos e pardos são minoria nas atividades profissionais mais valorizadas no mercado de trabalho e predominam em precários aglomerados habitacionais.
O IBGE acaba de divulgar números do Censo de 2010. Cidadãos de cor só ganham mais que os brancos em 4% das 438 profissões pesquisadas. Políticas de promoção e igualdade social devem ser mais ousadas, enfrentando purismos constitucionais duvidosos do ministro do contra.
Outra conquista estimulante vem da área política. O senador Demóstenes foi desmascarado de seu desempenho de falso paladino da moralidade nacional. Por acaso. O investigado pela Polícia Federal era o capo de uma quadrilha de múltiplos tentáculos no país e no exterior. Carlinhos Cachoeira e sua gang está preso até que um caro advogado consiga emplacar um hábeas corpus. Algum generoso juiz não negará essa liberdade a um bicheiro milionário, dono de rede de cassinos com o habitual subproduto da prostituição de luxo, tendo ligações suspeitas no mundo político e empresarial.
Criada a CPI, uma cachoeira já vai arrastando na corrente uma plêiade de empresários, políticos importantes, parlamentares e governadores não propriamente vestais mas de nível ético aparentemente tolerável. Essa aparência já não sobrevive. Podem ser desocultadas pela CPI maracutaias impensáveis. Deverá crescer o time dos “fichas sujas” que sairão do cenário político nacional. A lei já fez um saudável estrago nessa classe, por enquanto no nível municipal. Em mais dois anos, a limpeza se completará cós as eleições federais e estaduais. O país vai ficar diferente. O povo já havia se conformado com o “política é assim mesmo”. Não é mais. Surpresas emocionantes vão acontecer, embora haja manobras estranhas de políticos assustados com a possibilidade de respingos em suas cabeças.
Não bastam essas emoções. Foi constituída a Comissão da Verdade, com discurso emocionado e fortemente aplaudido da presidente, presa política dos anos de chumbo. Ministros militares constrangidos presentes no ato não aplaudiram, embora não sejam atores das maldades daqueles tempos. As descobertas serão certamente assustadoras. Ninguém vai ser punido pelas maldades praticadas. Vale a anistia generosamente aprovada. Punição se limitará às revelações de mortes e torturas da ditadura militar, o que não é pouco. O resultado será uma esperada e sempre adiada catarse nacional.
Cabe ainda neste espaço uma expectativa prestes a ser realidade: projeto de lei vai sendo aprovado no Congresso e deverá chegar logo à sanção presidencial. Definirá como crime a prática nem mesmo disfarçada do trabalho escravo. Confirmada essa relação espúria de trabalho, as terras serão confiscadas pelo governo. Ainda há reações explicáveis da bancada ruralista, contestando a qualificação como tal de certas práticas comuns no campo que consideram lícitas. Não são. Que venha essa nova Lei Áurea para coibir essa aberração.
Estes são sinais do Reino. É o que esperam todos os brasileiros. Assim seja.
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