A PRAÇA
Helio Amorim
Movimento Familiar Cristão
Rio de Janeiro - RJ
Os ditadores eternizados no poder pela repressão e torturas esqueceram de cercar as suas praças para impedir que o povo descobrisse essa arma poderosa. A praça foi usada, quase simultaneamente, na Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Bahrein, Arábia Saudita, para derrubar ou fragilizar esses regimes odiosos de poder absoluto que desconhecem direitos humanos. O povo deve obedecer, calar, agradecer aos seus tiranos por estarem vivos e não irritá-los com reclamações de mal agradecidos.
Descoberto pelo povo o poderio da praça, ela foi invadida naqueles países, numa sucessão de manifestações atrevidas e imprevistas, surpreendendo seus algozes poderosos e bilionários, até então tranquilos em seus palácios, com suas contas bancárias protegidas em paraísos fiscais seguros. Na Jordânia, a praça derrubou ministros em poucos dias.
Os que ainda resistem nos seus tronos enfrentam a deserção de aliados de sempre, países ávidos de petróleo que os deixa cegos a violações dos direitos da população pelos donos das jazidas gordas. As deserções européias e norte-americanas de apoio interesseiro são espertas. Mas a Líbia tem a honra de receber uma frota americana ameaçadora nas suas águas mediterrâneas. Chegam os recados exigindo renúncia imediata do ditador. E no reino saudita não se mexe. O rei promete aumentar a produção do seu óleo negro para compensar o bloqueio ao óleo líbio que abastece parte do apetite europeu. Em ação inédita, o saudita envia forças militares para desocupar a praça invadida pelo povo revoltado no vizinho Bahrein, para evitar o contágio da irritação popular. Para acalmar o seu próprio quintal, o xeque saudita adota um curioso modelo de suborno coletivo. Manda distribuir cheques generosos a todas as famílias do seu reino. Não chega a arranhar a sua fortuna pessoal de tamanho incalculável. A praça fica vazia. O líbio imita esse interessante calmante, formam-se filas para receber dinheiro vivo, mas ainda sem resultado, no seu caso. Ainda há praça ocupada no leste do país por cidadãos que não aceitam a propina e permanecem os canhões incômodos no Mediterrâneo.
Esse abalo vigoroso nas estruturas de poder sem limites nessas regiões é agora obscurecido por outro abalo de proporções catastróficas no Japão. O terremoto de 9 pontos seguido de tsunami de dimensão sem precedentes, arrasa cidades, mata cerca de 10 mil adultos, idosos e crianças, muitas crianças, em poucas horas de horror. Também por lá a praça é importante, desta vez como refúgio de gente como a gente.
Todos os espaços estão cobertos de tendas armadas às pressas por governo prudente de país assolado periodicamente por esses destemperos da natureza. Mas agrega-se em seguida o terror nuclear.
Usinas se derretem em fogueiras assustadoras. A radioatividade se espalha com os ventos. São retirados todos os sobreviventes num raio de 30 quilômetros ao redor das usinas. A irradiação nuclear chega longe, em Tóquio as famílias são orientadas a ficar em casa com as janelas fechadas. Ruas vazias na trepidante capital. Revive-se a memória dos ataques criminosos em Hiroshima e Nagasaki, com 260 mil mortos e número incalculável de feridos para sempre pela irradiação.
Não ocorrem explosões como os cogumelos desse crime, mas a irradiação nuclear é estimada como 100 vezes mais potente que aquelas bombas.
Impressionam os rostos japoneses impassíveis, conformados pelo sofrimento nessas e outras antigas tragédias.
O mundo horrorizado volta sua atenção assustada para as suas próprias ameaças. A França tem 90 por cento de sua energia gerada por usinas nucleares, espalhadas por todo o país. Muitos outros países, sem alternativas aparentes, apelam para os átomos enlouquecidos em torres de concreto armado. A Ucrânia recorda a sua Chernobyl.
O Brasil... Bem, aqui chegamos. Temos dois reatores funcionando e um em construção em Angra dos Reis. Os moradores da cidade já devem estar inquietos. A defesa civil tenta acalmar a população mas confessa que as vias de fuga são sujeitas a deslizamentos de terra.
O ministro confrontado com a tragédia nipônica se apressa em confirmar a programação de dezenas de outras usinas espalhadas pelo país rico em águas, ventos e sol.
A tragédia de Fukushima deve levar o povo brasileiro à sua praça, como fez antes, desta vez não tendo ditadura ou corrupção a derrubar, mas para questionar a solução nuclear e brigar pela eólica, solar e biomassa como complemento da hidrelétrica.
Há tempo para reversão do taxativo anúncio ministerial. Pode ser preço demasiado elevado para manter o crescimento econômico do país que talvez não precise de átomos pouco confiáveis.
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