-
Para debate:
“O homem só amadurece sob o olhar da mulher e a mulher sob o olhar do homem. Homem e mulher são recíprocos e complementares.”
PORQUE A IGREJA NÃO QUER E
NÃO PODE ABOLIR O CELIBATO
Leonardo Boff - Teólogo, Escritor
Leonardo Boff |
O levantamento dos padres pedófilos em quase todos os países da cristandade católica está ainda em curso, revelando a extensão deste crime que tantos prejuízos têm provocado em suas vítimas. É pouco dizer que a pedofilia envergonha a Igreja, pedir desculpas e fazer orações. É pior. Ela representa uma dívida impagável àqueles menores que foram abusados sob a capa da credibilidade e da confiança que a função de PADRE encarna.
A tese central do Papa Ratzinger que cansei de ouvir em suas conferências e aulas vai por água abaixo. Para ele, o importante não é que a Igreja seja numerosa. Basta que seja um “pequeno rebanho”, constituído de pessoas altamente espiritualizadas. Ela é um pequeno “mundo reconciliado” que representa os outros e toda a humanidade. Ocorre que dentro deste pequeno rebanho há pecadores criminosos e é tudo menos um “mundo reconciliado”. Ela tem que humildemente acolher o que dizia a tradição: a Igreja é santa e pecadora e é uma “casta meretriz” como diziam alguns Padres antigos. Não é suficiente ser Igreja. Ela tem que trilhar, como todos, pelo caminho do bem e integrar as pulsões da sexualidade que já possui um bilhão de anos de memória biológica, para que seja expressão de enternecimento e de amor e não de obsessão e de violência contra menores.
O escândalo da pedofilia se constitui num sinal dos tempos atuais. Do Vaticano II (1962-1965) aprendemos que cumpre identificar nos sinais uma interpelação que Deus nos quer transmitir. Vejo que a interpelação vai nesta linha: está na hora de a Igreja romano-católica fazer o que todas as demais Igrejas fizeram: abolir o celibato imposto por lei eclesiástica e liberá-lo para aqueles que vêem sentido nele e conseguem vivê-lo com jovialidade e leveza de espírito. Mas esta lição não está sendo tirada pelas autoridades romanas. Ao contrário, apesar dos escândalos, reafirmam o celibato com mais vigor.
Sabemos como é insuficiente a educação para a integração da sexualidade no processo de formação dos padres. Ela é feita longe do contacto normal com as mulheres, o que produz certa atrofia na construção da identidade. As ciências da psiqué nos deixaram claro: o homem só amadurece sob o olhar da mulher e a mulher sob o olhar do homem. Homem e mulher são recíprocos e complementares.
O sexo genético-celular mostrou que a diferença entre homem e mulher em termos de cromossomas, se reduz a apenas um cromossoma. A mulher possui dois cromossomas XX e o homem um cromossoma X e outro Y. Donde se depreende que o sexo-base é o feminino (XX), sendo o masculino (XY) uma diferenciação dele. Não há, pois um sexo absoluto, mas apenas um dominante. Em cada ser humano, homem e mulher, existe “um segundo sexo”. Na integração do “animus” e da “anima”, vale dizer das dimensões de feminino e do masculino presentes em cada ser humano, se gesta a maturidade sexual.
Esta integração vem dificultada pela ausência de uma das partes, da mulher, que é substituída pela imaginação e pelos fantasmas que se não forem submetidos à disciplina podem gerar distorções.
O que se ensinava nos seminários não é sem sabedoria: quem controla a imaginação, controla a sexualidade. Em grande parte, assim é. Mas a sexualidade possui um vigor vulcânico. Paul Ricoeur que muito refletiu filosoficamente sobre a teoria psicanalítica de Freud reconhece que a sexualidade escapa ao controle da razão, das normas morais e das leis. Ela vive entre a lei do dia onde valem as regras e os comportamentos estatuídos, e a lei da noite onde funciona a pulsão, a força da vitalidade espontânea. Só um projeto ético e humanístico de vida (o que queremos ser) pode dar direção à sexualidade e transformá-la em força de humanização e de relações fecundas.
Neste processo o celibato não é excluído. Ele é uma das opções possíveis que eu defendo. Mas o celibato não pode nascer de uma carência de amor, ao contrário, deve resultar de uma superabundância de amor a Deus que transborda aos que estão à sua volta.
Por que a Igreja romano-católica não dá um passo e abole a lei do celibato? Porque é contraditório à sua estrutura. Ela é uma instituição total, autoritária patriarcal, altamente hierarquizada e um dos últimos bastiões de conservadorismo no mundo. Ela abarca a pessoa do nascimento à morte. O poder conferido ao Papa, para uma consciência cidadã mínima, é simplesmente tirânico. O cânon 331 é claro. Trata-se de um poder “ordinário, supremo, pleno, imediato e universal”. Se riscarmos a palavra Papa e colocarmos Deus, funciona perfeitamente. Por isso se dizia: “o Papa é o deus menor na terra”, como muitos canonistas afirmaram. Uma Igreja que coloca o poder em seu centro fecha as portas e as janelas para o amor, a ternura e o sentido da compaixão.
O celibatário é funcional a este tipo de Igreja, porque ela nega ao celibatário aquilo que o faz mais profundamente humano, o amor, a ternura, o encontro afetivo com as pessoas, o que seria mais facilmente propiciado se os padres estivessem casados. Eles se tornam totalmente disponíveis à instituição que ora pode mandá-los para Paris ora pode enviá-los à Coréia do Sul. O celibato implica cooptar o sacerdote totalmente a serviço, não da humanidade, mas deste tipo Igreja. Ele só deverá amar a Igreja. Quando descobre que ela não é apenas “a santa madre Igreja”, mas pode ser madrasta que usa seus ministros para a lógica do poder, se decepciona, deixa o ministério com o celibato obrigatório e se casa. Enquanto esta lógica de poder absolutista e centralizador perdurar, não esperemos que a lei do celibato seja abolida por mais escândalos que aconteçam. O celibato é muito cômodo e útil para ela.
Mas como fica o sonho de Jesus de uma comunidade fraterna e igualitária? Bem, isso é um outro problema, talvez o principal. A partir dele colocaríamos diferentemente a questão do celibato e do estilo de Igreja que seria mais adequado ao sonho do Nazareno.
Os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores
e não representam necessariamente a opinião do MFC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário